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Paisagens sal a Sul by Paulo Couto

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Primeiro foi a paisagem. O castelo único e as casas brancas que recebem quem chega. Logo depois a natureza, impoluta. As aves, o sapal, as salinas e a sensação de liberdade nas planícies sem fim. A seguir foi tudo o resto. Não saberia dizer o que me prendeu a Castro Marim, o que sempre me faz voltar, mas sei bem o que levei: o sal, a alma de Castro Marim.

 

Dizer que está presente todos os dias na minha cozinha, na minha boca, é redutor. Porque não foi só o sal que eu carreguei para casa, essas pequenas pedras de cristal branco, foram as mãos, a água e o sol, o que sobra da mistura da água com o sol, o trabalho daqueles que, todos os dias, se levantam com a manhã para as rotinas na salina, nas horas em que o calor ainda perdoa, recolhendo a flor, bonito nome, e mantendo as salinas imaculadas, prefiro impolutas, para preservar a pureza de um produto tão natural quanto a água, não fosse o sal só a ausência desta.

Ao longo de muitas semanas habituei-me a estas rotinas. Acordar cedo, ouvir as aves, sentir o vento forte da primeira manhã, acompanhar o trabalho de homens e mulheres até o calor apertar. E depois as horas da tarde, quando o sol começa a cair no firmamento e as sombras se alongam nas salinas. Homens que parecem gigantes. Homens e mulheres que o são.

 

Por isso, quando a Filomena Sintra me convidou para o projeto, eu não sabia todo o peso que iria carregar, desconhecia as histórias que iria ouvir e retratar em imagens. Ainda não tinha visto os rostos sulcados pelo sol, os pequenos montes de tesouros brancos espalhados ao longo de tão grande área. Acima de tudo, literalmente, descobri uma nova perspectiva, uma forma diferente de ver as salinas. Uma visão que os próprios salineiros desconhecem, e que provavelmente só os pássaros comentavam entre si. Conseguir mostrar isso aos Castro-Marinenses, achar nos seus olhos a emoção dessa descoberta, foi talvez a maior recompensa e alegria.

 

Por isso tenho de agradecer à Filomena Sintra a ideia e o convite, ela é o verdadeiro autor moral deste trabalho, ao Carlos Afonso, fotografo apaixonado que me ajudou a descobrir os recantos e a luz, e aos salineiros, todos sem excepção, que me receberam de braços aberto e com quem aprendi o que são as salinas, a flor e o sal. Este trabalho são eles.

Texto escrito para acompanhar a exposição "Paisagens do sal a Sul", patente de 24 de Junho a 15 de Agosto na Casa do Sal, em Castro Marim. O texto foi também publicado no livro editado com o mesmo título da exposição.